O eterno José Marques de Melo

O caminho por ele trilhado o transformou em um clássico. E os clássicos não morrem. (Juliano Domingues)

Por: Paulo Vitor Giraldi Pires

Não há como pensar nos estudos sobre a Comunicação e Jornalismo sem lembrar do professor José Marques de Melo. Alagoano, de Palmeira dos Índios, nasceu às seis horas da manhã, do dia 15 de junho de 1943. Seu coração também foi pernambucano e paulista. Formou-se em Jornalismo pela Universidade Católica e em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal, ambas de Pernambuco, durante a década de 1960. Aos 75 anos, no dia 20 de junho de 2018, ele se despediu desta vida terrena, mas continua vivo em nós e na voz de milhares de pesquisadores da Comunicação.

Falar de Marques de Melo não é algo difícil. Basta ler as centenas de depoimentos sobre esse ‘aprendiz’ na Comunicação, pois era assim que ele próprio se definia. Recebi o desafio de escrever essa singela homenagem sobre o saudoso professor (in memoriam), representando a equipe organizadora deste livro – doutorandos e doutorandas do Programa de Pós-Graduação em Comunicação (PPGCOM) da Universidade de Brasília (UnB), sob a supervisão da professora Elen Geraldes. Sendo assim, optei em tecer uma ‘colcha de retalhos’, me unindo a outras vozes. Desta forma, talvez seja possível representar uma das grandes missões do professor Marques: ‘unir’ pesquisadores, formar uma grande rede de possibilidades e diversidades para pensar a Comunicação. Não é minha intenção falar da trajetória intelectual deste docente, mas do ser humano que foi.

Assim como eu, acredito que muitos, também, conheceram o professor José Marques de Melo, primeiramente por meio dos livros e artigos que ele escreveu.  Ou ainda, alguém falou dele durante as aulas da graduação ou na pós-graduação. Aliás, quem estuda Comunicação e não leu alguma obra do professor, bom sujeito não é (risos).

Nas redes sociais, um amigo doutorando testemunhou: “Passei toda minha formação ouvindo falar do professor Marques de Melo. Alguém que abriu picada no terreno da Comunicação na América Latina, construiu estradas e pavimentou com conhecimento para que nós, seus alunos (porque todos fomos um pouco alunos dele) pudéssemos encontrar uma obra farta e consistente”. Ele será nosso eterno orientador!

Foto: Portal Intercom

Me recordo do dia em que conheci pessoalmente o professor. Eu e um grupo de amigos, do mestrado em Comunicação Midiática da Unesp/Bauru, ficamos tímidos diante dele. Mesmo assim, registramos o momento com uma foto. Era um dia chuvoso na cidade de São Paulo, exatamente 19 de maio de 2010, durante o XIV CELACOM _Colóquio Internacional da Escola Latino-americana de Comunicação, sua iniciativa. Nosso contato com ele foi rápido, mas voltamos felizes para casa. É bom saber que aquele teórico que você estuda, existe de verdade e, ainda, é humilde.

Se quer conhecer um teórico, olhe para além de suas produções acadêmicas-profissionais. Tente ler nas entrelinhas, os versos e as prosas da vida de Marques de Melo. Ali, poderá encontrar algo bem mais interessante do que as teorias, conceitos e descobertas científicas. Os bastidores das relações humanas, surpreendem mais que o espetáculo nos ‘palcos acadêmicos’, embalado pelo encanto dos aplausos. Não vou aqui resumir as tantas contribuições teóricas do professor, mas vou deixar que você possa conhecê-las, se assim desejar. Só digo que vale muito trilhar por essa aventura comunicacional, com enredo sagaz e texto sedutor.

Diferente do que se pensa, ele não foi só um ícone nas Ciências da Comunicação na América Latina e até no exterior. Então, como definir José Marques de Melo? Já li tantas obras do professor e sobre ele, que perdi as contas dos adjetivos ou termos que tentaram usar para defini-lo. Cito apenas alguns: ‘guerreiro midiático’, ‘pioneiro’, ‘semeador de ideias’, ‘incentivador de talentos’, ‘idealizador’, ‘referência nos estudos comunicacionais’, ‘líder incansável’, ‘visionário’, ‘alicerce das pesquisas’, ‘intelectual contemporâneo’, ‘construtor de utopias’, ‘teórico do jornalismo’, profeta do campo da Comunicação Social’.  A professora e jornalista Ana Arruda Callado, foi sábia ao definir Marques de Melo como ‘jardineiro’ que cultivava hortênsias. “Para ser jardineiro é preciso ser paciente, não ter pressa; deixar o tempo de nascer, crescer e florescer vir naturalmente”. Na vida acadêmica, ele não correu ou disputou prestígios para ser o melhor, mas desejou ser um, com os outros – viveu o ‘ubuntu’.

São todas definições válidas, mas acredito que o professor Marques supera qualquer definição teórica-epistemológica. Sua vida não se prendeu a isso, voou além das paredes das universidades, das salas de aulas e das produções científicas _foi ao encontro de pessoas. Desde criança gostava de participar das conversas com os vizinhos, amigos e familiares. Tinha paixão pelo contato humano, de estar junto para pensar e aprender.

José Marques de Melo sempre foi ‘possibilidades’, ele sempre olhava para frente, sem medo, mas com coragem e ousadia. Muitas vezes eu o ouvi dizer: ‘Sou um aprendiz. Um ajudante de obras na Comunicação’. Não era uma falsa-humildade, mas sabia da responsabilidade de sua vocação como professor apaixonado pela profissão. “A autoestima para a pesquisa e para a vida vem em descobrir o que você quer, são escolhas pessoais” (MARQUES DE MELO. Depoimento ao autor, 2017).

Talvez a visão que temos sobre o Marques de Melo seja um tanto quanto equivocada. Não é preciso tentar qualificar ou exaltar a figura do professor, ele não era adepto a esse tipo de ‘vaidosismo acadêmico’. Sua fala era agregadora, mansa e acolhedora, como expressou uma outra amiga em seu perfil no Facebook: “O professor Marques de Melo sempre teve uma simpatia enorme e ficava muito fácil entendê-lo, pois cativava todos ao seu redor. Dono de uma memória sensacional e um conhecimento único”. Mesmo com as limitações do mal de Parkinson, diagnosticado em 2011, ele continuou na ativa. E nos ensinou a não parar de sonhar e lutar diante de uma doença.

Cada vez que ouvia o professor nos palcos dos eventos, era como se estivesse em uma conversa de amigos. Ele foi simplesmente o ‘José’, o simples ‘Zé’. O que o diferencia e o torna único, não foram as dezenas de obras escritas e organizadas[1] – 173 livros, centenas de artigos publicados e milhares de palavras discursadas. Também não foi o significativo número de 94 orientações de mestrado e 45 de doutorado. A força de Marques de Melo não se sustentou na autopromoção acadêmica, mas foi sendo construída por meio das relações de amizade, valorização das ideias e presença humilde. Nos caminhos que percorreu, deixou marcas de bondade, acolhimento e incentivo a uma geração de jovens pesquisadores da Comunicação. Ele ouvia mais do que falava.

Em minha primeira oportunidade de conhecê-lo, tentei elogiá-lo, buscando os melhores adjetivos. Ele sorridente, me abraçou e disse: “Eu sou como você, um estudante da Comunicação”. Nunca vou me esquecer disso, como também do nosso encontro no Congresso da Alaic, em 2012, no Uruguai, quando me convidou para um café. Ele sabia do meu interesse pelos estudos de Comunicação e religião, o qual também foi um dos precursores no Brasil. Após minha defesa do mestrado, tive a honra do meu primeiro livro intitulado Igreja Virtual, ser prefaciado pelo professor Marques de Melo. Que alegria!

E o que aprender com a vida do simples ‘Zé Marques’? Em primeiro lugar, que a humildade é nossa grande força; que ser família é um dom sagrado – ele e sua esposa Silvia caminhavam juntos; que o respeito ao outro é fundamental; que a diversidade de ideias produz novos conhecimentos e, que o desejo de vencer é tão importante quanto a persistência nas lutas diárias. O maior legado do professor foi sua própria vida.

Marques de Melo deixou, ainda, um ensinamento precioso a todos nós pesquisadores e cientistas da Comunicação: “Jamais fiz proselitismo em sala de aula, nem induzi meus alunos a pensar da mesma forma que eu. Sempre me pautei pelo respeito ao pensamento dos outros, mesmo que deles discordasse frontalmente” (MARQUES DE MELO, apud MATTOS, 2010, p. 173). Os alunos e alunas queriam estar próximo dele. Foi um verdadeiro orientador de uma geração de pesquisadores.  

Trago aqui um trecho do depoimento da professora Maria Cristina Gobbi, inserido na obra Fortuna Crítica de José Marques de Melo– que possui 154 artigos em 1601 páginas, publicada em 2013, pela Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação, entidade criada pelo professor, em 1977. Ela trabalhou ao lado dele por mais de 15 anos e foi sua orientanda no mestrado. Esse pensamento da docente pode nos ajudar a entender um pouco de quem foi José. Marques de Melo vive sob o signo da vanguarda e da transição, mas e, sobretudo, que entende diferença, administra valores, respeita diversidades, sobrevive na pluralidade de opiniões, sem perder a perspectiva de que as dessemelhanças se apresentam como pontos de confluência entre os saberes, formando assim o grande campo da Comunicação. O legado de Marques de Melo não foi o de definir uma rota a ser seguida, mas oferecer possibilidades de escolha para todos aqueles que – como ele – acreditam em uma comunicação plural e democrática, amparada pela prática ética do jornalismo (GOBBI, 2013). Marques de Melo fez a parte dele, e muito bem-feita. E deixou o exemplo de como podemos continuar a trilhar e a construir novos caminhos no campo da Comunicação. José Marques não teve pressa. Foi sábio, em passos lentos, porém firmes, sabendo para onde estava indo. Tinha convicção, ânimo e fé. “O caminho por ele trilhado o transformou em um clássico. E os clássicos não morrem”, disse o professor Juliano Domingues (Unicap) e diretor da Intercom.

Uma voz profética, que muitas vezes gritou no deserto, mas não desistiu. Ele era ciente de suas lutas. “É difícil contabilizar derrotas porque elas fazem parte do cotidiano. Toda vitória vem pavimentada por derrotas que nos aninam a continuar lutando. Quando desistimos da luta, então assumimos a derrota como um fato e não como acidente de percurso” (MARQUES DE MELO, apud MATTOS, 2010, p. 176).   

Ao leitor, lanço um desafio: se aventure em conhecer o pensamento comunicacional de Marques de Melo, pautado pelo pluralismo teórico, pela diversidade metodológica e liberdade de expressão. Leia seus livros, mas principalmente, leia os versos e as prosas de sua vida. Quem sabe você descubra um caminho mais leve, neste percurso acadêmico, para além das teorias e métodos, um encontro com as possibilidades do pensar e do fazer Comunicação. A voz profética de José Marques de Melo ainda vive!

Nota

[1] Até janeiro de 2018, o professor Marques possuía 140 artigos, 139 capítulos de livros e 148 livros publicados.

Referências Bibliográficas

DE MORAIS, Osvando; PEREIRA, ARAGÃO, Iury Parente; LAURINDO, Roseméri; VAZ, Tyciane Cronemberg Viana. Fortuna Crítica de José Marques de Melo: Comunicação, Universidade e Sociedade, São Paulo: Intercom 2013.

GOBBI, Maria Cristina (2013). Depoimento ao autor.  In: PEREIRA, Clarissa Josgrilberg; ARAGÃO, Iury Parente; DE MORAIS, Osvando; JACONI, Sônia. Fortuna Crítica de José Marques de Melo: Comunicação, Universidade e Sociedade, Intercom 2013.

HOLFELD, Antonio (Org.). José Marques de Melo, construtor de utopias. São Paulo: Intercom, 2010.

MARQUES DE MELO, José. Depoimentos ao autor, 2017.MATTOS, Sérgio. O Guerreiro Midiático: biografia de José Marques de Melo – São Paulo/Petrópolis: Intercom/Editora Vozes, 2010.